24th set2010

A Morte

by Biattrix

João outro dia me perguntou quando eu iria morrer. No tom de voz, uma leveza típica de quem não faz ideia do que está falando. Até a sensação egoísta de autopreservação o assolar: o que vai ser de mim, se eu ficar sozinho? E ele chorou copiosamente por alguns minutos. Aquilo me doeu tanto. Abraçados, tentei consolá-lo diante da única certeza da vida: a morte.

Eu disse que a vida é quase mágica, que nosso corpo é tão perfeito no seu funcionamento, tão extraordinário, que um simples pensamento é capaz de levar impulsos elétricos e nos fazer andar, ou enxergar… mas, que um dia, como uma lâmpada, a gente se apaga – e que não sabemos quando isso vai acontecer. Nem o motivo que fará a luz se  apagar…

Atento, e um pouco assustado, o pequeno foi enxugando suas lágrimas e acrescentando partes da história: uma onomatopeia aqui, uma repetição ali e, pelo fechamento que ele deu, acho que entendeu um pouco do que eu quis dizer.

Ele me afastou, limpando uma lágrima minha, olhou nos meus olhos e declarou: “é por isso que eu vou ficar abraçadinho com você hoje. E aproveitar muito da minha mamãe.“

Hoje, ao levá-lo na escola, vimos uma ambulância do Corpo de Bombeiros numa esquina próxima. Os paramédicos socorriam um senhor, que parece ter caído na rua. Sem entender porque os bombeiros estavam ali, expliquei que eram responsáveis por nos socorrer, além de apagar incêndios. Foi uma cena rápida, não mais do que 3 minutinhos. E quando o deixei com os amigos, já não comentava mais o fato.

Acontece que eu, ao retornar pelo mesmo caminho, fui tomada por aquela curiosidade mórbida e olhei para dentro da ambulância, ainda parada na rua. Aquele senhor, ali imobilizado na maca e recebendo os cuidados, de repente… era o meu pai.

Uma angustia fria me congelou. A razão me trouxe de volta. Mas, e o nó na garganta que não passava? Andando, as lágrimas corriam. E o pensamento também.

É, isso vai acontecer, um dia. E aí?

Ao cruzar o portão do meu prédio, liguei para ouvir a voz do meu pai, que deve ter estranhado a ligação. Alívio. Mas, agora é a sensação de egoísmo que me incomoda. Sim, porque não penso nas coisas que ele, ao morrer, vai deixar de fazer. Ou os sonhos que não vai realizar. O que me castiga são os pensamentos das coisas que eu não vou viver com ele. E fico triste de perceber que eu não estou preparada para a única certeza da vida.

5 Responses to “A Morte”

  • Amiga Bia,
    Fui tomada pela emoção e por uma lembrança eterna. Enfim… Não estamos prontos nem agora, muito menos depois. Aprendemos. Aprendi que devemos viver melhor todos os dias, por nós e pelos nossos, pq lá no momento da ausência sentiremos a riqueza na nossa pequena experiência. Estou longe de ser evoluída. Digo sou humana demais e por isso, muitas vezes incompreendida, mas não desisto de hoje, fazer dessa vivência a melhor para mim também. Sempre leio e pouco comentou, mas adoro! Bjs

    • Biattrix

      Fefa, você é uma eterna querida! Obrigada, por sua presença, mesmo silenciosa, na minha vida. =*

  • Mari

    Bia,
    Apesar da morte ser a única certeza que temos na vida, te digo sem medo de errar que ninguém está preparado pra ela…
    Perder quem amamos é ruim num grau que eu nem consigo descrever, mas também posso dizer que tiramos força não sei de onde pra seguir em frente e a vida continua.
    Nessa hora, a melhor das sensações é a de ter seguido o conselho do seu já tão sábio filhote e ter curtido cada abraço e cada minutinho de todos os “hojes” ao lado de quem se foi.

    E me conforta acreditar que, um dia, a gente se encontra de novo!

  • Geraldo

    Bia:

    Obrigado por fazer este site e dividir momentos tão únicos e pessoais.
    Seu texto me embala (como se eu fosse um joão) e faz pensar. Mas antes de tudo, faz sentir.

    • Biattrix

      Geraldo, o maedojoao.com.br só existe porque você o imaginou.
      Foi você quem abriu esta porta para meus pensamentos e emoções.
      E, por isso, eu lhe serei eternamente grata.
      <3 U

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