03rd fev2011

Ausência

by Biattrix

É, tô ausente daqui. Ausente do mundo.

Daquele que eu construí ao longo dos anos, com mãos, suor, lágrimas, risos, amigos, conselhos, piadas…

Eu queria escrever. Mas, desaprendi.

Quis colocar em palavras toda a dor que senti nos últimos meses. Ela, insistente, fez ninho em mim. Ou fincou raízes. Foi o tempo que a transformou. É certo que mudei também, porque seria impossível continuar a mesma. Aos poucos, descobri meu eixo, reaprendi a andar.

É claro que estou a falar metaforicamente. E nada aconteceu assim, desse jeito. Demorei a elaborar a tal mudança, feita de tantos pedaços, que inventei um passado poético. Eu mereço, afinal, um pouco de poesia.

No meio do caos, João também mudou.

Acho que reação frente a tantos acontecimentos estranhos… Mesmo trabalhando em casa desde agosto de 2010, nos últimos três meses do ano eu mergulhei em um projeto pessoal enorme – mais uma mudança nas nossas vidas. Um outro papel começou a tomar forma: a empresária. João acompanhou esse começo um tanto assustado, eu acho. A mãe não é mais a mesma – ele diz.

Meu menino, com 4 anos, argumenta, questiona, cobra. Assim como eu. E aí, vem o choque. Brigamos. Não sei entender. Não tenho paciência. E me ausento de mim, pior: dele.

Não sei o quanto tem de chantagem – sim! – porque crianças sabem o ponto nevrálgico da dor – e como me dói quando ELE diz que não sou a mesma.

De fato, algumas ausências falam alto demais.

24th set2010

A Morte

by Biattrix

João outro dia me perguntou quando eu iria morrer. No tom de voz, uma leveza típica de quem não faz ideia do que está falando. Até a sensação egoísta de autopreservação o assolar: o que vai ser de mim, se eu ficar sozinho? E ele chorou copiosamente por alguns minutos. Aquilo me doeu tanto. Abraçados, tentei consolá-lo diante da única certeza da vida: a morte.

Eu disse que a vida é quase mágica, que nosso corpo é tão perfeito no seu funcionamento, tão extraordinário, que um simples pensamento é capaz de levar impulsos elétricos e nos fazer andar, ou enxergar… mas, que um dia, como uma lâmpada, a gente se apaga – e que não sabemos quando isso vai acontecer. Nem o motivo que fará a luz se  apagar…

Atento, e um pouco assustado, o pequeno foi enxugando suas lágrimas e acrescentando partes da história: uma onomatopeia aqui, uma repetição ali e, pelo fechamento que ele deu, acho que entendeu um pouco do que eu quis dizer.

Ele me afastou, limpando uma lágrima minha, olhou nos meus olhos e declarou: “é por isso que eu vou ficar abraçadinho com você hoje. E aproveitar muito da minha mamãe.“

Hoje, ao levá-lo na escola, vimos uma ambulância do Corpo de Bombeiros numa esquina próxima. Os paramédicos socorriam um senhor, que parece ter caído na rua. Sem entender porque os bombeiros estavam ali, expliquei que eram responsáveis por nos socorrer, além de apagar incêndios. Foi uma cena rápida, não mais do que 3 minutinhos. E quando o deixei com os amigos, já não comentava mais o fato.

Acontece que eu, ao retornar pelo mesmo caminho, fui tomada por aquela curiosidade mórbida e olhei para dentro da ambulância, ainda parada na rua. Aquele senhor, ali imobilizado na maca e recebendo os cuidados, de repente… era o meu pai.

Uma angustia fria me congelou. A razão me trouxe de volta. Mas, e o nó na garganta que não passava? Andando, as lágrimas corriam. E o pensamento também.

É, isso vai acontecer, um dia. E aí?

Ao cruzar o portão do meu prédio, liguei para ouvir a voz do meu pai, que deve ter estranhado a ligação. Alívio. Mas, agora é a sensação de egoísmo que me incomoda. Sim, porque não penso nas coisas que ele, ao morrer, vai deixar de fazer. Ou os sonhos que não vai realizar. O que me castiga são os pensamentos das coisas que eu não vou viver com ele. E fico triste de perceber que eu não estou preparada para a única certeza da vida.

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